O atual ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDB-PR) sugeriu ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, em março deste ano, que uma “mudança” no governo federal resultaria em um pacto para “estancar a sangria” representada pela Operação Lava Jato, que investiga ambos. As informações são da Folha de S. Paulo. O ministro já declarou que não renuncia.
Os diálogos entre Jucá e Machado, gravados de forma oculta, aconteceram semanas antes da votação na Câmara que desencadeou o impeachment da presidente Dilma Rousseff. São 1h15min de conversas, em poder da Procuradoria-Geral da República.
Em uma parte da conversa, Machado diz: “Tem que ter impeachment”. O agora ministro responde: “Tem que ter impeachment. Não tem saída”.
Diálogos entre Sérgio Machado e o ministro aconteceram semanas antes da votação do impeachment
Machado teria procurado líderes do PMDB para tentar evitar que apurações contra ele fossem enviadas de Brasília, no Supremo Tribunal Federal (STF), para a vara do juiz Sergio Moro, em Curitiba (PR), diz o jornal paulista. Para o ex-presidente da Transpetro, indicado para o cargo pelo PMDB, isto incentivaria uma delação para incriminar peemedebistas.
“O Janot está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho. […] Ele acha que eu sou o caixa de vocês”, diz Machado a Jucá. “Aí fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu ‘desça’? Se eu ‘descer’…”.
“Então eu estou preocupado com o quê? Comigo e com vocês. A gente tem que encontrar uma saída”, diz Machado. Para ele, as delações não deixariam “pedra sobre pedra”.
Jucá, então, concorda que o caso de Machado “não pode ficar na mão desse [Moro]”, e que seria necessária uma resposta política para evitar isto. “Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria”, diz Jucá.
Machado respondeu que era necessária “uma coisa política e rápida”, e Jucá orientou Machado a se reunir com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Questionado por Machado se seria melhor uma reunião conjunta, Jucá diz que não, pois a ideia poderia ser mal interpretada.
“Não é um desastre porque não tem nada a ver. Mas é um desgaste, porque você, pô, vai ficar exposto de uma forma sem necessidade”, diz o atual ministro sobre a possibilidade de envio do processo de Machado a Sérgio Moro, a quem se referiu como “uma ‘Torre de Londres'” — castelo da Inglaterra em que ocorreram torturas e execuções no século 15.
Jucá acrescentou que um eventual governo Michel Temer deveria construir um pacto nacional “com o Supremo, com tudo”, quando Machado diz: “aí parava tudo”. “É. Delimitava onde está, pronto”, respondeu Jucá, que relatou manter conversas com “ministros do Supremo”, sem citar nomes. Para Jucá, eles teriam relacionado a saída de Dilma ao fim das pressões da imprensa e de outros setores pela continuidade das investigações da Lava Jato.
Jucá afirmou que tem “poucos caras ali [no STF]” ao quais não tem acesso, e que um deles seria o ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no tribunal, “um cara fechado”.
O agora ministro do Planejamento foi um dos articuladores do impeachment de Dilma Rousseff. O advogado do ministro do Planejamento, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que seu cliente “jamais pensaria em fazer qualquer interferência” na Lava Jato e que as conversas não contêm ilegalidades.
Machado presidiu a Transpetro, subsidiária da Petrobras, por mais de dez anos (2003-2014), indicado “pelo PMDB nacional”. No STF, é alvo de inquérito ao lado de Renan Calheiros. De acordo com dois delatores, Machado é relacionado a um esquema de pagamentos que teria Renan “remotamente, como destinatário”.
Paulo Roberto Costa disse que recebeu R$ 500 mil das mãos de Machado, como contrapartida à obtenção da obra de Angra 3. Jucá diz que os repasses foram legais.
Jucá é alvo de um inquérito no STF derivado da Lava Jato por suposto recebimento de propina. O dono da UTC, Ricardo Pessoa, afirmou em delação que o peemedebista o procurou para ajudar na campanha de seu filho, candidato a vice-governador de Roraima.
Confira trechos dos diálogos, divulgados pela Folha de S. Paulo:
SÉRGIO MACHADO – Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.
ROMERO JUCÁ – Eu ontem fui muito claro. […] Eu só acho o seguinte: com Dilma não dá, com a situação que está. Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?
MACHADO – Agora, ele acordou a militância do PT.
JUCÁ – Sim.
MACHADO – Aquele pessoal que resistiu acordou e vai dar merda.
JUCÁ – Eu acho que…
MACHADO – Tem que ter um impeachment.
JUCÁ – Tem que ter impeachment. Não tem saída.
MACHADO – E quem segurar, segura.
JUCÁ – Foi boa a conversa mas vamos ter outras pela frente.
MACHADO – Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez [autorizou prisões logo após decisões de segunda instância], vai todo mundo delatar.
JUCÁ – Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo e a Odebrecht vão fazer.
MACHADO – Odebrecht vai fazer.
JUCÁ – Seletiva, mas vai fazer.
MACHADO – Queiroz [Galvão] não sei se vai fazer ou não. A Camargo [Corrêa] vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que… O Janot [procurador-geral da República] está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.
[…]
JUCÁ – Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. […] Tem que ser política, advogado não encontra [inaudível]. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra… Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.
[…]
MACHADO – Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel [Temer].
JUCÁ – Só o Renan [Calheiros] que está contra essa porra. ‘Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha’. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.
MACHADO – É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.
JUCÁ – Com o Supremo, com tudo.
MACHADO – Com tudo, aí parava tudo.
JUCÁ – É. Delimitava onde está, pronto.
[…]
MACHADO – O Renan [Calheiros] é totalmente ‘voador’. Ele ainda não compreendeu que a saída dele é o Michel e o Eduardo. Na hora que cassar o Eduardo, que ele tem ódio, o próximo alvo, principal, é ele. Então quanto mais vida, sobrevida, tiver o Eduardo, melhor pra ele. Ele não compreendeu isso não.
JUCÁ – Tem que ser um boi de piranha, pegar um cara, e a gente passar e resolver, chegar do outro lado da margem.
*
MACHADO – A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado…
JUCÁ – Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com…
MACHADO – Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.
JUCÁ – Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].
MACHADO – Caiu a ficha. Tasso [Jereissati] também caiu?
JUCÁ – Também. Todo mundo na bandeja para ser comido.
[…]
MACHADO – O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.
JUCÁ – Todos, porra. E vão pegando e vão…
MACHADO – [Sussurrando] O que que a gente fez junto, Romero, naquela eleição, para eleger os deputados, para ele ser presidente da Câmara? [Mudando de assunto] Amigo, eu preciso da sua inteligência.
JUCÁ – Não, veja, eu estou a disposição, você sabe disso. Veja a hora que você quer falar.
MACHADO – Porque se a gente não tiver saída… Porque não tem muito tempo.
JUCÁ – Não, o tempo é emergencial.
MACHADO – É emergencial, então preciso ter uma conversa emergencial com vocês.
JUCÁ – Vá atrás. Eu acho que a gente não pode juntar todo mundo para conversar, viu? […] Eu acho que você deve procurar o [ex-senador do PMDB José] Sarney, deve falar com o Renan, depois que você falar com os dois, colhe as coisas todas, e aí vamos falar nós dois do que você achou e o que eles ponderaram pra gente conversar.
MACHADO – Acha que não pode ter reunião a três?
JUCÁ – Não pode. Isso de ficar juntando para combinar coisa que não tem nada a ver. Os caras já enxergam outra coisa que não é… Depois a gente conversa os três sem você.
MACHADO – Eu acho o seguinte: se não houver uma solução a curto prazo, o nosso risco é grande.
*
MACHADO – É aquilo que você diz, o Aécio não ganha porra nenhuma…
JUCÁ – Não, esquece. Nenhum político desse tradicional ganha eleição, não.
MACHADO – O Aécio, rapaz… O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio? Eu, que participei de campanha do PSDB…
JUCÁ – É, a gente viveu tudo.
*
JUCÁ – [Em voz baixa] Conversei ontem com alguns ministros do Supremo. Os caras dizem ‘ó, só tem condições de [inaudível] sem ela [Dilma]. Enquanto ela estiver ali, a imprensa, os caras querem tirar ela, essa porra não vai parar nunca’. Entendeu? Então… Estou conversando com os generais, comandantes militares. Está tudo tranquilo, os caras dizem que vão garantir. Estão monitorando o MST, não sei o quê, para não perturbar.
MACHADO – Eu acho o seguinte, a saída [para Dilma] é ou licença ou renúncia. A licença é mais suave. O Michel forma um governo de união nacional, faz um grande acordo, protege o Lula, protege todo mundo. Esse país volta à calma, ninguém aguenta mais. Essa cagada desses procuradores de São Paulo ajudou muito. [referência possível ao pedido de prisão de Lula pelo Ministério Público de SP e à condução coercitiva ele para depor no caso da Lava jato]
JUCÁ – Os caras fizeram para poder inviabilizar ele de ir para um ministério. Agora vira obstrução da Justiça, não está deixando o cara, entendeu? Foi um ato violento…
MACHADO –…E burro […] Tem que ter uma paz, um…
JUCÁ – Eu acho que tem que ter um pacto.
[…]
MACHADO – Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori [Zavascki, relator da Lava Jato], mas parece que não tem ninguém.
JUCÁ – Não tem. É um cara fechado, foi ela [Dilma] que botou, um cara… Burocrata da… Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça].
OBS: Esta matéria foi copiada do Jornal do Brasil e publicada na íntegra
Faça um comentário