Economista e compositor Dabliu Jr diz por que é contra o impeachment

Dabliu Junior: Economista, Mestre em Desenvolvimento Econômico pela UFPR (CAPES 6), e doutorando em Desenvolvimento Econômico pela mesma instituição. Atualmente realizando estágio no exterior, Institute of Education (University College London, Inglaterra), com bolsa CAPES – PDSE – Doutorado Sanduíche. Membro pesquisador do NAPPE (Núcleo de Avaliação de Políticas Públicas Educacionais) da UFPR. Como compositor possui dois álbuns lançados “Sobre os Ombros de Gigantes” (2012) e “Ilha Desconhecida” (2015).

De longe

Há algumas semanas eu estava em Londres, acompanhando de longe toda a repercussão de que a presidenta Dilma Rousseff decidiu nomear o ex-presidente Lula para o Ministério da Casa Civil, e ao ouvir a opinião de algumas pessoas próximas a mim fiquei realmente preocupado. Preocupado porque de fora e sem a avalanche de informações viesadas que chegam até a gente no boca a boca e pela TV, eu tinha uma opinião que destoava demais de muitas pessoas que gosto e que têm, inclusive, as mesmas raízes que as minhas. Desse modo, fiz um texto informal para um amigo jornalista e depois o postei no Facebook. Fiquei surpreso e feliz com a quantidade de pessoas aceitando as minhas ideias, ou pelo menos dialogando com elas sem aquela postura odiosa que normalmente vemos. Não sou historiador, muito menos cientista político, e sim economista. Mas sou formado, fiz um mestrado e estou fazendo doutorado numa área que não me habilita a lecionar sobre História ou Ciência Política. Mas pelo fato de ter estudado a história do pensamento econômico, e economia brasileira por tantos anos, me fez estruturar um pensamento político que é o que carrego comigo, mas ainda assim, pessoal.

500 anos de história

Falando do Brasil, é preciso ter consciência histórica de que nosso país é muito novo. Há míseros 500 anos, os portugueses “descobriram” o Brasil, escravizaram ou mataram ou “catequisaram” os nativos daqui, os índios. O resto da população ou era uma nobreza muito rica que vinha passar férias aqui, ou eram escravos. Dentro dessa nobreza você tinha pensamentos mais pra esquerda, como a princesa Isabel que assinou a Lei Áurea, mas ainda assim, não foi um ato de verdadeiro heroísmo como aprendemos na escola: o mundo inteiro estava abolindo a escravatura, ou seja, houve pressão política pra que todos os países importantes fizessem também, e o capitalismo (se lembre que a Revolução Industrial começou em 1760 mais ou menos) exigia que houvesse mercado para comprar os produtos que agora eram produzidos não artesanalmente mas de modo industrial, em larga escala. A ideia foi: libertem os escravos, que deverão trabalhar para os brancos, e assim eles poderão consumir. A abolição só foi acontecer no Brasil em 1888 (perceba o tamanho do atraso, mais de 100 anos depois da Revolução Industrial na Europa), e na prática foi um monte de pessoas negras, livres, mas sem casa nem dinheiro, obrigadas a trabalharem pros mesmos brancos num sistema que não tinha nenhuma organização ou proteção para os trabalhadores. Não havia TV, Internet, informação que pudesse denunciar qualquer abuso. Outro fato que nos faz lembrar o quanto o país é jovem é que a independência do Brasil foi em 1822, ou seja, de 1500 a 1822, o Brasil foi colônia de Portugal, que extraiu nossas riquezas naturais, nosso ouro, nosso pau-brasil, plantou café e cana-de-açúcar em tudo o que era terra fértil e com trabalho escravo.

Proclamação da República

Depois de 1822, o Brasil era “independente” mas foi governado por imperadores até 1889, quando um golpe militar aconteceu. Claro, ninguém chama de Golpe Militar, só chamam de proclamação da República do Brasil. Democracia ainda não tinha significado algum no Brasil. E a partir disso, foram 15 presidentes republicanos, ou seja, de direita, alternando o poder, e depois uma ditadura pelo Getúlio Vargas por mais 16 anos. Apenas em 1951 Vargas volta ao poder eleito pelo povo. Depois vieram JK, Jânio Quadros, e João Goulart, governos realmente populares e que fizeram muitos avanços para a população mais pobre, apesar de pagarem isso com alta inflação. Em 1964, outro Golpe Militar. Eles ficaram até o Geisel que foi em 1974 até 1979. Imagina, mais 16 anos de ditadura e agora com a direita no poder. O primeiro eleito através de diretas foi o Collor, já nos anos 90. Ele competiu com Lula, e quase perdeu, mas no final (isso não é especulação, hoje é histórico) a Globo entrou no jogo manipulando o debate deixando o Lula pior, e por pouco, o Collor venceu. Não houve mentira, mas mostravam apenas uma parte da verdade. Nessa época o Brasil tinha mais de 1000% de inflação anual e as pessoas e o senso comum estavam preocupados em estabilizar a economia, por isso ele, de um partido de direita, teve apelo e o Lula perdeu.

Collor, Itamar, FHC…

Depois do impeachment do Collor, trabalhando no governo do Itamar, tinha dentre vários economistas, o FHC, que ajudou a construir o Plano Real. Essa importância dele no Governo deu força pra ele disputar eleições e ganhar de Lula. Apenas em 2002, está tudo preparado para que pela primeira vez na história um partido com um trabalhador e ex-operário se tornasse presidente da República. Nesse contexto Lula entrou. Nesse contexto Lula fez rios de gasto público para tirar a população da miséria. Funcionou. Lula foi ovacionado no mundo todo. Se tornou comparado ao Obama, primeiro negro na presidência dos EUA. O populismo estava em alta. Nova Classe C, todo mundo consumindo. Até que a economia começou a cobrar seu preço. O Brasil esteve forte diante da crise de 2008, mas precisaria começar a reduzir gastos e aumentar impostos. É o óbvio a se fazer, frear a economia. Mas Lula queria colocar a Dilma no poder, e para isso, não o fez, foi populista e continuou gastando. O povo adorou, agora todo mundo tava viajando de avião, comprando carro, geladeira. Pois bem. Quem entra em 2011? Dilma Roussef. Uma economista. Como economista ela sabia que deveria cortar gastos, aumentar impostos, cortar despesas. Era isso que ela falava nos pronunciamentos, a necessidade de estabilizar a economia. Óbvio que ela não podia cortar bolsa família ou projetos sociais que eram a bandeira do PT.

Mudanças

No último ano de governo da gestão passada, a situação de ruína da economia já era aparente. A inflação ainda não aparecia nos noticiários, mas já era pra começar a ficar esperto que a economia já estava começando a cobrar seu preço. Pois bem, na última eleição, 2014, minha análise foi: não voto em partido, o PT está no poder há muito tempo e isso não é bom, está na hora de mudar. Quais questões hoje estão com mais importância? A questão da homofobia, direitos humanos, legalização do aborto, da maconha. Então o tempo era de se votar numa Luciana Genro, até mesmo na Marina. Aécio Neves, do PSDB, é o símbolo de direita dos partidos hoje, não é uma opção realmente coerente para gente que trabalha, se mata de estudar, pra ter algo na vida. Voltei na Luciana Genro. No segundo turno, polarizado entre Dilma e Aécio, claro, votei na Dilma. Assim, a Dilma foi uma presidente no quesito ser austera, melhor que Lula. Acontece que isso não é fácil de se fazer. Ainda mais quando se tem uma oposição conservadora com tanta força como agora. No entanto, os partidos agora já sabiam que a economia estava ruindo e começaram a usar isso a seu favor.

Senso comum

A Dilma é presidente, mas ela tem no seu governo pessoas de outros partidos que trabalham para ela. Normalmente isso funciona bem: você divide os ministérios de acordo com as alianças que precisa fazer, e no ministério quem é da oposição vota e aprova um projeto seu porque você como presidente deu um espaço para ele na política. Acontece que os partidos de direita, conservadores, perceberam que a economia estava ruindo, era um prato cheio para tirar o PT do poder e entrar um partido conservador lá. Qual o senso comum dos últimos anos? Igreja evangélica, crescendo assustadoramente: conservadores. Economia ruindo: vamos dizer que é culpa do PT. Se eles conseguirem fazer com que o próprio povo ache que o PT está errado e é culpado da economia estar indo mal, eles vencem. E é o que está acontecendo. O senso comum agora é conservador e essa força está começando a cobrir a força da esquerda (ou já cobriu).

Quanto pior melhor

Os caras da direita no governo não aprovam projetos para organizar as contas econômicas porque quanto mais a inflação subir melhor pra eles. Isso é absurdo porque eles estão usando a crise para uma discussão política. Querer acusar Lula, governo da Dilma, pode, mas por que não fizeram isso antes? Exatamente esse é o motivo porque a Dilma não usou o Lula como ministro antes. Agora é uma saída necessária para tentar se defender. E mesmo assim está difícil. Então tentaram por dois anos inventar alguma desculpa para pedir a retirada da Dilma. Mas o Lula é uma força política muito grande dentro do PT. Ataca-lo é mais uma estratégia, já que ele tem dado sinais de que vai voltar a se candidatar no futuro. Por que ninguém acusou ele enquanto ele era presidente? Porque a economia estava indo bem, não teria apelo popular. Ele é culpado? Se digamos que sim, okay, a Dilma não tem nada a ver com isso, a ideia é combater o PT, o Lula podia ir preso que não deveria ter diferença. Mas para a oposição tem e faz diferença esse estardalhaço todo. E se ele não é culpado? Para oposição só o fato de sujar a imagem dele já está valendo. Não importa se ele vai ser preso. Se ele for acusado uma vez, vai aparecer no jornal, o povo descontente com a situação econômica vai achar que é verdade, e vai dar ainda mais força para tirar a Dilma. Eles sabem que povo não lê jornal, e não vai entrar nos detalhes para saber se o Lula é inocente ou não, e começaram a usar isso a seu favor.

Direitos trabalhistas

Se alguém da direita entrar, esqueça ideais trabalhistas em discussão pelos próximos 8 anos. Esqueça tudo o que tivemos de avanço. Numa próxima eleição, vou votar em Lula? Não necessariamente. Se a Luciana Genro se candidatar, é ela que tem meu voto. Mas não podemos deixar que mais uma vez a força conservadora tome o poder. Se isso acontece, o Brasil regride. Por isso sou contra impeachment. É um jogo de poder. Eu não defendo Lula, nem PT, nem Dilma, mas sou a favor da democracia, sou contra o golpe. De formadores de opinião tentando colocar o povo pra fazer o que a elite já estabelecida quer, tem um monte. O que não tem é gente tentando defender o lado de gente que não tem praticamente nem o que comer. Impeachment é golpe sim, e precisamos ser contra qualquer coisa que fira nossa ainda jovem democracia.

OBS: Esta publicação é resultado de um longo bate-papo com o autor do texto, a quem agradeço a oportunidade.

 

 

 

Sobre Francisco Carlos Somavilla 1551 Artigos
Bacharel em Ciência Politica. MBA em Comunicação Eleitoral e Marketing Político. Especialização em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável.

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